A Ira é...
...ver escarrapachado na capa da Vert deste mês aquilo que devia ser um
secret spot. Sinto que escancararam ao mundo as portas do paraíso. Oxalá me engan
e, mas não está dado o primeiro passo para banalizar mais um refúgio que nem ao melhor amigo se ousa segredar? Se bem me lembro, não há muito tempo o "alçapão da Cave" era o segredo mais bem guardado da Ericeira. Hoje em dia, só não é destino de grandes romarias, porque são poucos os que na realidade arriscam o pescoço. Embora muitos sejam a dizer que por lá já cometeram grandes feitos... .
E é aqui que a minha costela de aspirante a jornalista entra em conflito com a amante solitária de ondas e paisagens. A primeira, diz-me que o leitor tem direito a saber, tal como eu, da existência de tal lugar. É um direito da
res publica e, por outro lado, o dever do jornalista, inchado de orgulho, em ser o primeiro a dizer "eu sei que existe, eu sei onde está, tomem lá o
onus da prova". A segunda prefere, indubitavelmente, proteger a todo o custo o lugar mágico que lhe foi dado a conhecer como o mais preciso dos segredos.
É acima de tudo... respeito.
Respeito por quem desbravou antes de mim aquele lugar. Respeito em manter um segredo. Respeito por aquele pedaço de natureza abençoado, onde se conjugam, num adagio, os elementos água, terra e ar... . E assim devia permanecer, sendo apenas desbravado, num ou noutro escasso momento. É que, afinal também é contra-natura deixar vazia uma onda perfeita, não olhar um horizonte onírico, não crispar a pele com o mais salgado dos
off-shore. Mas acontece que estes devem ser actos solitários pois tudo o que implica
massas implica a destruição ou profunda modificação de uma espécie de património, seja ele cultural, seja ele natural.
Considero que este ou outro desporto de mar é bem mais que uma prancha da última moda, ondas, manobras e fama. É o contrário da preguiça. É o saborear do caminho que se faz para chegar até lá, literal e metaforicamente falando. São avanços, retrocessos e desiluções. É persistência. É mérito. É o prazer da surpresa da descoberta. É a ousadia de se lançar em "mares nunca dantes navegados". É deixar incólume aquele pedaço de céu na terra para que, no nosso regresso, ele nos brinde com a mesma pureza duma primeira vez.
Já não sei se quero "respeito" pelo meu desporto. Respeito implica "reconhecimento", implica "fama". Acho que prefiro, no lugar da soberba, padecer de egoísmo, gula e luxúria.
... acho que foi a última vez que contribuí para a cultura de
massas comprando a Vert.