Terça-feira, 1 de Dezembro de 2009
Podia ser tão fácil como surfar no mar? Podia, mas não era a mesma coisa!

Na manhã solarenga de 18 de Outubro, o grupo aguardava com ansiedade a entrada na Gare Marítima de Alcântara. Afinal, subir ao maior cruzeiro do mundo não é algo que se faça todos os dias. Depois de um check in apertado, tal qual uma alfândega de um país longínquo, fomos arrebatados por uma visão esmagadora: diante de nós o cruzeiro Independence of the Seas saudava-nos do alto dos seus 15 andares e com comprimento equivalente a três campos de futebol. Algures no convés estaria o motivo da nossa presença ali, uma Flowrider, ou piscina de ondas, pronta a proporcionar momentos únicos e inesquecíveis.

 

Numa iniciativa inédita em Portugal a Rita Pires em conjunto com a Sport Tv, para o programa A Onda da Rita, e a Royal Caribbean lançaram um concurso onde 14 participantes entre os 13 e os 17 anos puderam subir a este cruzeiro e experimentar pela primeira vez uma piscina Flowrider. Para a ajudar nesta tarefa, a campeã de Bodyboard contou ainda com a preciosa ajuda de alguns amigos, tais como os experientes Edmundo Veiga e Marta Teixeira. Romeu Ribeiro e João Melo registaram a acção e Nelson Cunha foi o animador de serviço. Entre o grupo de jovens participantes encontravam-se muitos estreantes na modalidade e outros que, habituados às manobras no mar, não perderam a oportunidade de entrar no concurso e ver como se saíam em ondas, no mínimo, diferentes. A própria Rita confessou que tinha achado “consideravelmente difícil”, da primeira vez que experimentou uma Flowrider. No entanto, foi uma questão de pouco tempo até dominar os segredos desta nova forma de surfar.

Com Lisboa e o Tejo como cenários, subimos à popa do navio onde nos aguardavam os dois instrutores residentes da Flowrider. Além do Bodyboard, os instrutores fizeram também uma breve demonstração em stand up provando que, nesta piscina, o limite é mesmo o da imaginação e… a parede para onde somos projectados depois das inevitáveis quedas. Aguçado o apetite dos presentes, foi a vez da Rita e dos seus convidados brilharem. Apesar de muitas quedas e do receio inicial, a opinião dos participantes foi só uma. “Espectacular” e “divertido” foram os adjectivos mais usados para descrever a sensação de surfar numa piscina de ondas. Ao explicar as razões da sua presença, Mariana Silva, de 15 anos, foi ainda mais longe: “a Rita já foi minha professora de Bodyboard e eu adoro-a! Como acompanho o programa dela, resolvi concorrer pois não podia perder esta oportunidade única. Nunca pensei que isto fosse assim, é diferente de tudo o que me ensinaram e já alguma vez senti dentro de água. É super divertido mas, ao mesmo tempo, muito difícil! No entanto, acho que também é isso que torna as coisas ainda mais engraçadas.”

 

Durante duas horas os participantes experimentaram um a um a Flowrider, sob a orientação de Rita Pires. Drop Knee, el rollos, cut backs e outras manobras surpreendentes, tais como atirar a prancha e recepcioná-la com o corpo, foram alguns dos truques tentados, para surpresa de pais e alguns dos 3600 passageiros do navio que assistiram ao concurso que decorreu esta manhã. Maria Lourenço, a correr o Nacional de Esperanças, descreveu o ambiente que se fazia sentir: “é um privilégio incrível estar aqui entre pais, amigos e com a Rita. Surfar numa piscina de ondas é completamente diferente de surfar no mar, mas é também muito divertido”. E quando lhe perguntam sobre a importância deste tipo de eventos para o Bodyboard nacional é peremptória: “Estamos a mostrar que o nosso desporto tem muitas vertentes e que pode ser tão mediático quanto o Surf”. 

No final da manhã, depois da deliberação de um júri atento às performances e ao domínio das manobras entretanto aprendidas pelos concorrentes, foram escolhidos cinco finalistas, dentre os catorze participantes, que iriam disputar um prémio final: uma prancha Deeply e um cheque Royal Caribbean no valor de 100€ para descontar numa futura viagem. Depois do tudo ou nada, onde cada um teve de mostrar o maior número de habilidades na piscina, a classificação terminou da seguinte forma: em quarto lugar ex aequo ficaram Ricardo Fonseca e Madalena Pereira, em terceiro lugar ficou João Santos, em segundo Maria Lourenço e o grande vencedor foi Francisco Bessone. Apesar do Francisco já estar habituado às competições de Bodyboard, confessou que não estava à espera de ganhar: “Estou muito contente, pois surfar aqui é muito diferente de surfar no mar. Aqui é a água que vem contra ti, no mar és tu que vais na onda.” No que toca aos restantes participantes, nenhum saiu de mãos a abanar. Além de todas as emoções fortes vividas nesta manhã, todos eles levaram para casa shorts da Deeply, bonés, protectores solares e toalhas de praia Piz Buin e medalhas de participação.

O balanço desta actividade não podia ser mais positivo para Rita Pires. “Não existe nenhuma piscina deste género em Portugal e este tipo de iniciativas são muito importantes, na medida em que trazem novas emoções aos praticantes de Bodyboard. Além do mais, este tipo de actividades são um excelente complemento para qualquer amante de desportos de ondas porque conjuga vários factores importantes, tais como, o divertimento a adrenalina e a evolução rápida.“ Francisco Bessone, vencedor deste primeiro concurso de Flowrider em Portugal, tem a mesma opinião: “estas iniciativas são sem dúvida excelentes para demonstrar a força e as potencialidades do nosso desporto.”

 

O dia ficou completo com um almoço de convívio num dos inúmeros buffets e uma visita guiada às zonas mais espantosas deste cruzeiro, que custou cerca de 800 milhões de euros. Salas de espectáculos, galerias sumptuosas, casinos, discotecas e salas de jogos, paredes de escalada, ginásios e spa’s ou uma pista de gelo são algumas das dezenas de maravilhas que pudemos encontrar no Independence of the Seas. Mas, apesar de tudo isto, se perguntarmos aos presentes do que gostaram mais, a resposta é sem dúvida unânime: da Flowrider, claro!

 

Uma piscina Flowrider tem características únicas: um conjunto de bombas instaladas projecta continuamente uma lâmina de 10 cm de água criando assim o efeito de onda estática, isto é, uma onda que nunca chega a quebrar. Por sua vez, a superfície da Flowrider é especialmente desenhada de forma a absorver os impactos, tornando-se assim extremamente segura. Tanto adultos como crianças podem explorar as potencialidades de vários desportos de ondas, nomeadamente, o Bodyboard. As manobras em stand-up também são possíveis, numa espécie de união entre o snowboard, surf e skate, em cima duma prancha própria inspirada no wakeboard. Existem mais de 100 piscinas deste tipo, espalhadas um pouco por todo o mundo, em parques temáticos, resorts ou por exemplo, neste navio de cruzeiro que atracou no porto de Lisboa.

 

 

Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"-

Nr. 17 Novembro 2009

 

 

Nota: Na FreeSurf, o título desta reportagem tem duas gralhas. Lá pode ler-se "Podia ser fácil Surfar no Mar? Podia, mas não era a mesma coisa". Como é óbvio, o título pretendido é o que encabeça este post e não o da versão publicada, que não faz qualquer sentido. Apesar de ser alheia à situação, as minhas sinceras desculpas aos leitores.

 

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Domingo, 1 de Novembro de 2009
Ousar e Vencer

 

Apesar da tendência se estar a inverter à medida que os anos passam, a verdade é que continuamos a ser poucas “flores” no mar. A praticar bodyboard eu diria que ainda somos menos. No entanto, o bodyboard feminino em Portugal soma e segue. Ainda que não tendo a maturidade que esta modalidade possuiu no Brasil, habituada a arrebatar títulos mundiais ano após ano, as atletas portuguesas têm elevado cada vez mais a fasquia e contribuído, em muito, para aumentar o nível deste desporto na versão feminina.

Decorridas oito etapas do circuito mundial, Portugal tem orgulhosamente quatro atletas no top dezasseis: Catarina Sousa, Rita Pires, Neuza Mochacho e Marta Leitão. A onda de resultados expressivos das portuguesas culminou na última etapa de Grand Slam realizada na Praia Grande. Pela primeira vez, em catorze anos de edições, uma portuguesa venceu a edição do Sintra Portugal Pro frente a… outra portuguesa. O feito inédito foi conseguido pela atleta de Carcavelos, Catarina Sousa, frente a Rita Pires, campeã nacional em título, numa final bem disputada. No entanto, não foram apenas estas duas atletas nacionais a destacarem-se nesta prova de alto nível competitivo: a jovem Marta Fernandes, aluna de Catarina Sousa, provou ter a lição bem estudada e disputou a meia-final com a sua mestre. Para trás ficaram, em baterias women on women, a tetra campeã do mundo Neymara Carvalho ou a vice-campeã do mundo 2008 Jessica Becker. Noutras duas etapas do circuito mundial posteriormente realizadas em Portugal estas atletas portuguesas voltaram a provar o seu valor: no Miss Sumol Cup, em Aveiro, Marta Fernandes conseguiu um quinto lugar e Rita Pires chegou mesmo a disputar a final do evento. Em Peniche, Rita e Catarina Sousa chegaram aos quartos de final.

Mas a senda de bons resultados não se fica apenas pelo circuito mundial. Ao integrar a selecção nacional no Eurosurf 2009 Catarina Sousa sagrou-se, no início deste mês, campeã europeia na categoria de Bodyboard feminino, ao lado de Manuel Centeno, vencedor da categoria masculina. E o ano competitivo nem sequer terminou.

O que é que esta geração terá de diferente? Terá, acima de tudo, uma grande dose de ousadia. Ousadia em ser-se mulher num desporto de homens. Graças a elas, cada vez menos, um desporto de homens. E ousadia em competir numa modalidade que parece ser, invariavelmente, incompreendida e subvalorizada, destinada a viver à sombra do Surf. Mas talvez sejam estes os factores que desafiam diariamente a antiga e a nova geração feminina do bodyboard português, desde os tempos da pioneira Dora Gomes. E ao invés de se resignarem com a falta de apoios, de se deixarem dominar pelo medo de não serem levadas a sério, cada uma delas tem um papel preponderante em traçar o caminho das gerações vindouras, ao mesmo tempo que vai traçando o seu. Numa grande lição de proactividade, estas meninas têm-nos mostrado que as vitórias individuais fazem-se também de um trabalho conjunto fora de água. Sobretudo fora de água. Acima de tudo, compreenderam que, para serem levadas a sério, primeiro têm de fazer com que levem a sério o seu desporto e estabelecer laços na comunidade. Só assim estão, estão criadas as bases para se poder chegar mais longe, além-fronteiras.

Na edição de Agosto mencionei o trabalho de promoção do bodyboard na comunidade levado a cabo por Rita Pires, não só através da presidência da Associação de Bodyboard da Caparica, mas também através do seu blogue, programa de televisão, escola ou workshops.  Mas não menos importante, tem sido o trabalho da Boogie Chicks, único do género em Portugal. Este é um derradeiro exemplo de como o sentido de comunidade pode fazer tanto pelo bodyboard feminino português. O projecto inicialmente desenvolvido nos anos 90 por Dora Gomes e retomado em 2004 por Catarina Sousa e Teresa Duarte, tem como objectivo promover encontros de bodyboard feminino em diversos pontos do país e ilhas tendo, ao mesmo tempo, uma escola 100% dedicada a meninas que queriam aprender bodyboard. Pela sua singularidade e poder aglutinador, este projecto tem sido em grande parte responsável pelo mediatismo que o bodyboard português possui hoje em dia.

Criadas as bases e o sentido de comunidade, cria-se valor e credibilidade para que possa nascer uma nova geração de vencedoras levadas cada vez mais a sério e outra, de freesurfers cada vez em maior número, inspiradas pelas primeiras.

 

PS. E agora que o bom tempo parece nos ter deixado de vez, meninas, não se deixem intimidar pelo frio que se avizinha: vençam à vossa própria maneira e ousem continuar a surfar, em pé ou deitadas, mas ousem ser também levadas a sério e mostrem que o free surf não foi para vocês um simples amor de verão...  

 

 

Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"-

Nr. 16 Outubro 2009

 

 

Não percam nesta edição a primeira crónica para a FreeSurf de Hugo Pinheiro intitulada: Uma Viagem à Eurosurf. Este campeão que dispensa apresentações passará, daqui para a frente, a escrever para a revista e irá contar-nos como é Surfar com as Quinas de Portugal.

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Quinta-feira, 8 de Outubro de 2009
Na Onda da Rita

              

               Nesta edição dedicada às meninas, não poderia deixar de falar nesta coluna de uma das atletas actualmente melhor sucedidas do panorama do desporto nacional. Rita Pires é uma bodyboarder de “B” maiúsculo, com uma carreira recheada de títulos e bem gerida mediaticamente. Aos 30 anos, Rita está na sua melhor forma – é actual 6ª no ranking mundial - tem o seu próprio programa de televisão, uma academia de bodyboard e é ainda presidente da Associação de Bodyboard da Caparica. Apesar de todos estes feitos, parece que o sucesso não lhe sobe à cabeça e Rita conserva um espírito de humildade genuíno. Acima de tudo, esta certeza do bodyboard nacional é o exemplo perfeito de como deve um atleta gerir a carreira neste deporto. Aquilo que todos invejam neste meio, Rita Pires conseguiu: ser uma atleta dedicada a 100% ao seu desporto. Mas até aqui, houve que percorrer um longo caminho.

                Tudo começou quando Rita tinha 10 anos e, através do seu irmão, experimentou pela primeira vez o bodyboard por mera brincadeira. No entanto, a Praia do Norte, na Costa da Caparica, passou rapidamente a ser a sua segunda casa. Aos 14 anos iniciou-se na competição através do Circuito Regional da Costa da Caparica e, aos 16, competiu pela primeira vez no Circuito Nacional. No seu ano de estreia, Rita não faz por menos e sagra-se campeã nacional, frente à experiente Dora Gomes, que até ali não tinha adversárias à sua altura. O seu primeiro título internacional surge aos 18 anos, em 1996, ao alcançar a Medalha de Ouro no Campeonato Europeu de Juniores. Ao fim de 16 anos de carreira, a Rita já acumula no seu currículo 11 títulos de Campeã Nacional, 5 títulos de Campeã Europeia e 6 representações da Selecção Nacional. E pensar que Rita anda esteve perto de desistir a meio do seu percurso.

                Ao terminar o curso de arquitectura a atleta estava quase decidida a abandonar a competição. É precisamente nesta altura que conhece Romeu Ribeiro que a incentiva a continuar e a faz encarar o bodyboard duma forma mais positiva. Rita não esconde que a presença de Romeu, seu namorado e treinador, foi decisiva: juntos desenvolveram um trabalho em conjunto com vista a atingir um ritmo mais competitivo. Mas um atleta de alta competição, como é a Rita, não se constrói apenas com muito apoio emocional, orientação do treinador e vontade própria. É numa rigorosa disciplina física e mental que reside a sua garra competitiva. Uma rotina de treino intensa composta por corrida, ginásio, yoga e boxe, ajudam a mantê-la em excelente forma. Não é à toa que Rita se dá bem em ondas grandes: já venceu em 2003 e 2005 o Nazaré Special Edition e foi vice-campeã da etapa do circuito mundial Iba Pipeline Pro 2008. Para além do trabalho físico, o trabalho mental também é uma componente essencial: um psicólogo desportivo ajuda-a a manter-se confiante e mais relaxada durante os campeonatos.

                Ultimamente a vida de Rita Pires não se resume só a momentos competitivos. Desde que reuniu condições para se dedicar inteiramente ao bodyboard, apoiada sobretudo pela Deeply, a Rita tem aliado os destinos do circuito mundial a outros, para free surf. Em 2008 bateu o seu recorde de viagens: Ponphei, na Micronésia; Oaho, no Havai; o Rio das Ostras e Itajaí no Brasil; Angelet, na França; passando ainda por Marrocos, S. Miguel, Puerto Escondido e Gran Canária. Entra com o pé direito em 2009 ao empreender uma viagem de um mês às ilhas de Cabo Verde onde, além do habitual free surf, ainda ministrou um workshop de bodyboard aos mais jovens e ao pequeno núcleo feminino da Ilha de S. Vicente. Mais duas etapas do campeonato do mundo fazem-na viajar depois até ao Havai e ao Brasil, onde passa largas temporadas. Com a realização do seu programa de televisão na Sportv3 – a Onda da Rita - surgiu também a oportunidade de visitar destinos há muito adiados: seguiram-se as ilhas Samoa e o Japão, de onde regressou no final de Julho. O que move Rita a passar mais tempo lá fora, do que em casa, não é apenas a competição e o treino. Esta atleta tem também a ambição de divulgar o seu desporto além fronteiras e mostrar a quem fica, as ondas, a cultura, a arquitectura e as gentes de cada país que visita.

                Mais do que superar-se a si mesma, a nível competitivo, desenvolver o seu desporto e unir a comunidade são motivações centrais para Rita Pires. O seu contributo estende-se também à criação da Bboard Academy, com aulas, eventos e workshops da modalidade; passando pela presidência da Associação de Bodyboard da Caparica onde, em conjunto com outros associados, recuperou este ano o Circuito Regional da Caparica.   

                Talvez aqui resida o segredo do seu sucesso… .

 

Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"-

Nr. 14 Agosto 2009

 

Mais sobre a Rita em http://ritapires.blogspot.com/

 

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Madeira: um sonho aqui tão perto

Quem me conhece ouve-me dizer habitualmente “porquê ir primeiro lá para fora se ainda não conheci por completo o meu país”. Todos nós sonhamos com a Indonésia, Havai ou Austrália, mas esquecemo-nos que bem perto de casa temos outros tantos paraísos por descobrir e tão mais acessíveis de alcançar, para quem começa a dar os primeiros passos nas surf trips. A ilha da Madeira é um excelente exemplo. Localizada a cerca de 1000km de Portugal Continental é um local privilegiado para receber as ondulações do Atlântico Norte e tem ondas para todos os gostos. Apenas duas horas de voo nos separam dum dos destinos mais belos e singulares para surfar no nosso país: paisagens magníficas e point breaks quase sem crowd. Que mais pedir? Juntem mais dois ou três amigos, dividam as despesas e com cerca de 400 euros têm uma semana de surf trip além fronteiras.

Como Chegar e Onde ficar

Nada mais fácil. Hoje em dia já existe o famoso low cost para a ilha da Madeira, o que à partida reduz o orçamento total da viagem. Conseguem-se passagens a partir dos 30 euros, dependendo das datas de partida, flexibilidade de chegada e da antecedência com que se compra o bilhete. No caso do transporte de pranchas de surf, aconselha-se a ter em atenção se a companhia cobra algum tipo de taxa adicional. As pranchas de bodyboard são consideradas bagagem normal fora de formato e não é cobrado qualquer tipo de taxa. Se conseguirem levar a restante bagagem como malas de mão, sempre poupam mais uns 20 euros ida/volta. Como alternativa ao avião, têm o Ferry a partir de Portimão. Podem levar o vosso próprio carro, a partir de 181 euros ida/volta, para não residentes. Para quem transporta pranchas de surf, esta talvez seja uma boa opção e quanto mais passageiros levarem por carro, mais económico fica. Tenham apenas em atenção a reserva de passagem com antecedência, porque a disponibilidade esgota-se com muita facilidade. Podem fazê-lo pela internet. O único senão é que a viagem demora cerca de 21horas.

A grande fatia do orçamento vai pois para a estadia e, se for o caso, para o aluguer de veículo. Em média alugar um carro ligeiro custa cerca de 30-35 euros por dia, consoante o modelo e fora o combustível, claro está. Andar a pé ou de autocarro está mais ou menos fora de questão, isto se querem “checkar” facilmente os vários spots da ilha no mesmo dia. Uma ilha é uma ilha, mas não é tão pequena assim! Quanto à estadia temos muitas opções. Aluga-se facilmente uma casa em frente ao Paúl do Mar por cerca de 30 euros/dia. Os verdadeiros amantes da natureza, mais poupados, podem sempre acampar. Existe por exemplo o parque de campismo de Porto Moniz, perto da foz da Ribeira da Janela.

Ondas

As encostas íngremes de basalto formam muitos point breaks que funcionam com ondulações e ventos muito específicos em cada local. Levar uma tabela de marés e consultar regularmente as previsões de vento e swell é indispensável para planear bem as surfadas e aproveitar cada spot no seu melhor. Se estavam à espera de lajes perfeitinhas ou beach breaks esqueçam. Preparem-se para encontrar fundos de basaltos rolantes, que forçam a caricatas entradas e saídas do mar, já para não falar do barulho ensurdecedor que fazem com a força das ondas. Uma experiência no mínimo diferente de tudo o que já surfaram por Portugal Continental. O Jardim do Mar, o Paul do Mar, a Ribeira da Janela e S. Vicente são alguns dos locais mais consistentes.

O Jardim do Mar tornou-se extremamente conhecido pelas suas longas direitas. No entanto, a construção da promenade naquele local veio modificar em muito a qualidade da onda e preparem-se para sair um pouco desiludidos se ouviram falar anteriormente do seu grande potencial. Durante a maré cheia forma-se agora muito backwash e as condições tornam-se difíceis para surfar. O vento ideal é de nordeste ou leste. A ondulação tem de estar relativamente grande para se usufruir da onda em todo o seu esplendor: direitas bastante compridas, ideais para surf.

Perto do Jardim do Mar, uns quilómetros para noroeste, encontramos o Paúl do Mar. É uma onda bastante consistente, pois o vento predominante na Madeira é o de nordeste (offshore no Paúl) e a partir de 1.5 a 2m de swell já proporciona boas ondas. A onda do Paúl é uma direita comprida, rápida e com uma secção muito tubular, excelente para bodyboard. O ideal para surfar é na meia maré a encher ou cheia a vazar, pois a melhor secção da onda situa-se numa espécie de “laje” de basaltos, mais de inside. No entanto, em qualquer maré se fazem boas ondas. Os bodyboarders locais que encontrámos aqui foram muito afáveis e simpáticos. Se falarem com jeitinho, aconselham-vos bem em relação a outros spots da ilha e, quem sabe, outros locais menos conhecidos. Como em todas as viagens não se esqueçam que não estão a surfar “em casa” e têm de respeitar primeiro para também serem respeitados.

Para quem gosta mais de esquerdas tem a opção de surfar na Ribeira da Janela, na parte mais a norte da ilha. Embora a remada seja longa para se chegar ao pico, existe um bom canal que ajuda a lá chegar. Contem mais uma vez com os basaltos e com um ou outro dedo do pé entalado. Mas vale bem a pena o sacrifício: a onda é uma esquerda tubular bastante comprida, embora com algumas secções mais moles. O vento ideal vem do quadrante sul e a ondulação, a partir dos 2m do quadrante norte, já proporciona boas ondas.   

São Vicente, também na zona norte da ilha, é outra onda bastante popular e com grande potencial. No entanto, durante a nossa estadia nunca a conseguimos apreciar em condições ideais. Trata-se de uma direita de secção inicial tubular, tornando-se mais mole no final. Com ondulação a partir de 1.5 a 2m de quadrante norte e vento quadrante sul já a poderão ver a funcionar em todo o seu esplendor.

Mas o surf na ilha da Madeira não se faz só de spots conhecidos. Quase cada recanto da ilha é um pico em potencial, basta estarem as condições certas. Tivemos essa sorte numa tarde em que parecia que nada funcionava. Um pouco mais a este da Ribeira da Janela, perto do Seixal, encontrámos um pico de esquerdas tubulares que nos fizeram largar imediatamente a máquina fotográfica e passar à acção. A ondulação vinha de 2.4m de noroeste e fazia vento de oeste, mas o ideal será de sudoeste para entrar bem de offshore. Não deixem de estar atentos ao mar, às condições e acima de tudo, troquem algumas impressões com quem ande a surfar por lá. Foi exactamente assim que tomámos conhecimento duma boa direita nas Achadas da Cruz, mas que nunca vimos a funcionar em condições ideais. Quem tiver medo de alturas esqueça, porque a única maneira de lá chegar com o material é pagar 5 euros e descer pelo elevador de carga cerca de 500 metros a pique. A alternativa é o teleférico, onde não é permitido levar qualquer tipo de bagagem. Por último, não poderíamos deixar de falar na onda da Ponta Pequena, situada entre o Jardim do Mar e o Paúl, muito tubular e excelente para bodyboard. No entanto só é surfável em dias maiores, caso contrário, quebra demasiado em cima dos basaltos junto à margem.

Para além das ondas…

Além do material e duns bons ténis, não se esqueçam de uma camisola adicional, pois se junto à praia estão 25º, no mesmo dia apanham 5º nos pontos mais altos da ilha. Para além das ondas, reservaria uma semana inteira só para fazer as dezenas de quilómetros que os roteiros de caminhadas propõem por toda a ilha. Mas, à falta de tempo, sugiro que subam de carro aos miradouros e apreciem a paisagem sobre a ilha e o mar. A Eira do Serrado com vista para aldeia do Curral das Freiras é sublime, assim como o Pico dos Barcelos com vista para o todo o Funchal. O Pico do Areeiro, a 1818m de altura, também a não perder. E com vista sobre o mar, não deixem de ir à Ponta do Pargo e o ao Cabo Girão. Com sorte, ainda vêm a direita do Girão a funcionar! E por falar em ondas, quando forem à Ribeira da Janela, não deixem de apreciar a parte norte da ilha, com flora luxuriante e dezenas de cascatas a desaguar no mar. Também não podem deixar de fazer as descidas de teleférico sobre o Funchal ou, a preço bem mais acessível (3 euros), das Achadas da Cruz. Não deixem ainda de reservar uns trocos para provar o bolo do caco (uma espécie de pão de alho no forno), as espetadas de Câmara de Lobos, o bife de atum e peixe-espada com segurelha ou a poncha do Pescador que se encontra por toda a ilha. Mas bebam com moderação, pois acreditem que apesar de doce, faz bastantes estragos! O seu consumo em demasia tem geralmente como consequências alguns wipeouts no dia seguinte… .

Não poderia terminar sem falar da noite. Uma espécie de Algarve o ano inteiro, com boas discotecas e bares junto à zona ribeirinha do Funchal, onde não faltam as habituais “bifas” a fazerem-se ao “bife” e vice-versa. Meninas e meninos o melhor é deixarem os respectivos em casa, tragam apenas as pranchas e preparem-se para alguns dos melhores dias das vossas vidas. As férias já estão aí e o sonho aqui tão perto

 

Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"-

Nr. 13 Julho 2009

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Quarta-feira, 3 de Junho de 2009
Boilling Point

Continuo sem entender porque é que o Surf feminino é tão avassaladoramente menos apoiado que o masculino. Ao nível da competição, o valor dos prémios é sobejamente inferior e os patrocínios escasseiam. Será que, nós mulheres, somos menos espectaculares, menos lutadoras ou menos competitivas? O que acontece é que, apesar de estarmos numa sociedade que proclama direitos iguais andamos sempre a reboque do que se passa pelo mundo dos homens. Já lá vai o tempo das primeiras competições de surf na década de 20, mas certo é que precisámos de quase um século para fazer voltar as cabeças na nossa direcção.

São mulheres como Stephanie Gilmore que derrubam preconceitos e iniciam revoluções. E esta década é, sem dúvida, a era do surf feminino se afirmar e mostrar ao mundo todo o seu potencial. Já aqui disseram que “Gilmore é um homem a surfar”. E dadas as circunstâncias, esta não só é uma comparação válida, como necessária. Válida, porque Gilmore continua a dar provas dum surf cada vez mais explosivo e competitivo, necessária, porque o nosso termo de comparação é o que se faz de melhor na competição masculina. E num momento em que Kelly Slater continua a ser o habitual campeão indiscutível, sabe bem uma lufada de ar fresco e um pouco de agitação no tour feminino.

Com apenas 17 anos, Gilmore tornou-se na mais jovem atleta a vencer uma etapa do tour mundial – o Roxy Pro Gold Coast – enquanto wildcard. E há precisamente dois anos, tornou-se na primeira mulher a vencer o título de campeã do mundo, no seu ano de estreia, repetindo a proeza no ano seguinte. “Happy” Gilmore continua a ter razões para estar feliz vindo a mostrar que os seus resultados não foram “sorte de principiante”. A australiana prepara-se para atacar a nova temporada no dream tour, de olho no terceiro palmarés consecutivo. A sua mais recente conquista marca assim a sua quarta vitória consecutiva numa etapa da ASP do world tour. Três eventos ganhos na época passada, somam-se ao da etapa inaugural do tour de 2009 – o Roxy Pro, em Snapper Rocks.

No entanto, seria redutor falar-se duma revolução no surf feminino, personificando-a exclusivamente na figura de Gilmore. Se restar alguma dúvida basta colocar os olhos nas rokies talentosas que passaram pelo Roxy Pro, tais como a australiana Sally Fitzgibbons, as havaianas Coco Ho e Alana Blanchard, a neozelandesa Paige Hareb e a braslieira Bruna Schmitz. Donas de um surf radical, rápido e fluído, prometem dar que fazer à geração mais experiente onde se encontra Sofia Mulanovich e Megan Abubo, por exemplo; sinónimos dum surf rígido, pesado e já pouco criativo. Assim, não foi de estranhar ver todas estas estreantes passarem as suas baterias e seguirem para a terceira ronda. E Paige e Coco Ho apenas perderam nas semi-finais! Gilmore foi fazendo das suas e eliminou Abubo na terceira ronda com, sensivelmente, o dobro da pontuação.

E que dizer da final desta primeira etapa do tour de 2009? Dizer que foi empolgante é cair em lugar comum, mas não há outro adjectivo. Gilmore abriu com chave de ouro, ao fazer um 9.57, obrigando a havaiana Melanie Bartels - outra presença recente nas lides do WCT - a responder. No entanto, a juntar ao talento natural, o profundo conhecimento da praia por parte de Gilmore, foram decisivos. A australiana entrou com o pé direito na sua terceira época de WCT, com uma vitória em casa.

Será este o tri-campeonato de Gilmore ou Sofia Mulanovich e Silvana Lima defenderão ainda o seu estatuto? Ou, quem sabe, as novas rookies, à semelhança de Gilmore, entraram para fazer estragos no ranking da ASP? Ficaremos para ver, ou não fosse este um momento de viragem no surf feminino. Venham elas!  

Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"-

Nr. 10 Abril 2009

 

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Terça-feira, 27 de Janeiro de 2009
Ser Flor do Mar

O que é isto de ser mulher num desporto maioritariamente masculino?

 

É esta a pergunta a que me propuseram responder nesta edição. O meu primeiro impulso foi partilhar esta questão com alguém na mesma condição. Foi aqui que me surgiu a primeira pista: a solidão. Se surfar já é só por si só um desporto individualista, fazê-lo sendo rapariga ainda o é mais, já para nem falar no acto de escrever para uma revista dedicada a esses desportos.

O número de praticantes masculinos continua a ser bastante superior e não são necessários estudos concretos para afirmá-lo com segurança (a propósito o INE ou a FPS bem podia disponibilizá-los). No entanto, é inegável que o número de raparigas que praticam surf e bodyboard tem vindo a crescer a olhos vistos. As praias repletas de donzelas solitárias de olhos no horizonte à espera dos seus mais-que-tudo, já era. As meninas revoltaram-se e vieram para ficar. O que é que mudou? A explicação que encontro é a mesma que justifica a presença crescente das mulheres nas Forças Armadas ou em profissões tradicionalmente masculinas. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” e o papel da mulher na sociedade portuguesa tem vindo a modificar-se e acompanhar a tendência dos restantes países económica e culturalmente mais evoluídos. A pouco e pouco o feminino conquista o seu próprio espaço e tem, além da oportunidade, também um interesse crescente por outros domínios.  

As pioneiras sofreram na pele o preconceito de serem mulheres e serem diferentes, mas abriram a porta às gerações mais novas que lhes puderam seguir as pisadas. Particularmente aos nossos desportos de mar, penso que se está a evoluir cada vez mais no sentido do respeito e admiração pela mulher que, tal como os homens, gosta de ondas e já rivaliza em performance. Bom exemplo disto mesmo, no plano competitivo, foi a recente etapa do Nacional Open de Bodyboard em Sagres, onde Rita Pires esteve perto de atingir as meias finais, em baterias mistas,  com o tri-campeão europeu Manuel Centeno e o top 6º no ranking mundial Hugo Pinheiro, ainda na água; isto só para mencionar alguns.  

Pessoalmente, ao invés do preconceito dentro de água, sinto um pouco de solidão e a falta de solidariedade feminina. Sinto o peso de me destacar, por ser diferente, quase sempre a única e por isso não querer dar parte de fraca, ambicionar fazer mais melhor, tanto para mim, mas talvez ainda mais para os outros... . E esta talvez seja uma condição ou condenação exclusivamente feminina: sentir o dever e o querer provar constantemente a nós mesmas e a eles que afinal também conseguimos ser bons nas mesmas coisas.   

Nunca senti qualquer tipo de preconceito dentro de água. Muito pelo contrário, seja entre companheiros de surfada ou ilustres desconhecidos. Um pouco de cavalheirismo? Talvez. Mas de qualquer forma, a aversão de outrora a mulheres no mundo do surf, diria que é inexistente. A haver preconceito, será o das mulheres e ondas grandes não combinarem. Será esse, sem dúvida, o próximo tabu a derrubar.

Penso que Portugal já está no bom caminho, com franca expansão no número de praticantes, com o interesse crescente dos patrocinadores e das marcas que vêem o surf feminino como um nicho de mercado importante e os media que lhe dão cada vez mais visibilidade e voz à condição de ser mulher e gostar de descer ondas. Neste aspecto a Free Surf  está de parabéns já que é uma das pioneiras ao preocupar-se, desde a sua fundação, em ter um espaço próprio para as raparigas se reverem e para os homens compreenderem um pouco do espírito feminino no mar.

 

E sendo esta época de desejos para 2009 almejo que este seja um ano em que mais raparigas se decidam fazer-se às ondas e não tenho medo de entrar neste mundo ainda tão masculino, mas igualmente arrebatador. E a pouco e pouco a solidão de cada uma de nós - Flores do Mar - dará lugar a uma grande cumplicidade.

 

 

 

Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"-

Nr. 7 Janeiro 2009

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Segunda-feira, 24 de Novembro de 2008
Surfing 'haoles' days

 Por ocasião da terceira etapa do Circuito Nacional de Surf que decorreu nos Açores, em Ribeira Grande, levantaram-se algumas vozes de protesto. Entre outras questões que têm a ver directamente com o circuito, as do localismo e a divulgação de ondas em locais isolados foram aquelas que provocaram mais azia aos habituais daquelas paragens.

 

Estes são problemas omnipresentes no mundo do surf e bodyboard. Atravessam países e culturas. E que atire a primeira pedra quem gosta de ver crowd estranho – os chamados haoles -  no seu “quintal” ou um dos seus secrets revelados na capa da magazine do mês.

 

Eu encaro este problema, em particular, duma forma um pouco mais profunda do que o simples egoísmo e desdém pela concorrência alheia. É aqui que a minha paixão por ondas e paisagens solitárias entra em conflito com a minha alma de jornalista. Se por um lado a primeira jura a pés juntos proteger a todo o custo o seu cantinho mágico, a segunda sussurra-me que o leitor tem direito a saber, tal como eu, da existência daquele lugar. É um direito da res publica e, por outro lado, o dever do jornalista, inchado de orgulho, em ser o primeiro a dizer "eu sei que existe e posso dizer-vos onde é". E até aposto que nós poríamos o moralismo de lado por uns segundos e lá comprávamos a revista para saber as novidades. No entanto, até mesmo O Direito da Comunicação Social diz que “é da natureza da informação dizer a verdade e, contudo, nem toda a verdade é boa para ser dita”.

 

Encontrar um ponto de equilíbrio entre o divulgar e omitir, entre desenvolver o mundo da competição com novas etapas e resguardar locais que deviam ser reservados ao free-surf. Complicado!

 

Considero que os desportos de mar, em particular o surf e o bodyboard, são bem mais que a prancha da última moda, ondas, manobras e fama. Neles reside tudo o que é contrário à preguiça: é o saborear do caminho que se faz para chegar até lá, literal e metaforicamente falando. São avanços, retrocessos e desilusões. É persistência, mérito e o prazer da descoberta. É a ousadia de se lançar em "mares nunca dantes navegados" e a esperança de sermos brindados, num regresso, com a mesma pureza duma primeira vez.

 

Mas, acima de tudo, é mostrar respeito por quem desbravou antes de mim aquele lugar,  mantendo um segredo. Respeito por aquele pedaço de natureza abençoado desbravado apenas num ou noutro escasso momento. Afinal, também não é contra-natura deixar vazia uma onda perfeita? No entanto, a história ensina-nos que estes deveriam ser actos mais ou menos solitários, pois tudo que implica massas implica inevitavelmente a destruição ou profunda modificação de uma espécie de património, seja ele cultural, seja ele natural.

 

Embora esta seja uma opinião meramente pessoal, não é propriamente, na sua base, uma ideia minha. O filósofo e sociólogo Walter Benjamin já referia isto por outras palavras, quando escreveu em 1936 o artigo "A obra de arte na era da  sua reprodutibilidade técnica", onde teorizou o conceito do "fim da aura". Em resumo, para o autor a experiência de uma obra de arte residia na sua própria aura, isto é, na sua própria autenticidade original ou "manifestação única de uma lonjura". Com o advento da sociedade burguesa e as novas técnicas de reprodução e massificação (a industria, a fotografia, etc.), dá-se aquilo a que ele chama de "decadência da aura". Num plano prático, a arte pode massificar-se, reproduzindo-se infinitamente. As massas têm acesso a essa arte, de forma politizada mas nesse processo de reprodução subtrai-se aquilo que é mais importante: a aura dessa mesma obra de arte, ou seja, a característica essencial que faz dela Ser "obra de arte" em si mesma, única e irrepetível.

 

O que eu quero dizer com tudo isto é que, ainda que um spot não seja propriamente uma "obra de arte" – pois é do plano natural e não cultural - a massificação (ou divulgação perpetuada) desse mesmo lugar, implica inevitavelmente a perda da sua "aura", ou seja, da característica que perdura no tempo e que pode ser admirada e usufruída de geração em geração. Uma “lonjura” que deveria ser protegida. Não quero dizer com isto que estejam em causa os direitos de meia dúzia de locais. Trata-se acima de tudo de proteger a aura do lugar em si.

 

Apesar de tudo, considero que os direitos se conquistam como em tudo na vida. Seja por herança, por conquista ou por mérito. Seja por nascermos ali e surfarmos lá toda a vida, pela dica do nosso melhor amigo ou pela nossa performance dentro de água.

 

Mas deixemo-nos de hipocrisias. Lugares secretos ou vedados aos locais, nos dias que correm, começam cada vez mais a ser uma ideia romântica. Se por um lado queremos ver o nosso desporto evoluir temos inevitavelmente de engolir alguns sapos, nomeadamente, o aumento de crowd ou, em último estádio, a realização de campeonatos na nossa praia de eleição. Além do mais é irreal pensarmos que um spot a poucos minutos da civilização seja eternamente secreto. A humanidade é cada vez mais uma grande aldeia global e caminha muito mais no sentido da exposição do que no da preservação. É uma consequência dos tempos modernos que se estende a todos os campos sociais.

 

Resta então, a cada um de nós, ser responsável por manter a todo o custo a aura do nosso spot pois, no final de contas, nós também fazemos parte dessa “manifestação de lonjura”, numa comunhão perfeita. Seja pela forma como nos relacionamos com o lugar, com os outros que o partilham connosco ou pela nossa atitude no mar. Sejamos cinco ou sejamos cinquenta.         

  

 Texto Publicado na Revista FreeSurf Secção "Flores do Mar"- Nr. 6 Novembro / Dezembro 2008

 

*

Este texto é a retoma de algumas ideias veiculadas aqui, em posts anteriores. Agradeço sobretudo ao blogger Hugo M. pela profícua e estimulante troca de comentários que em muito enriqueceram este resultado final. 

 

memorizado por LaraR às 00:44
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Sexta-feira, 3 de Outubro de 2008
Quando eu morrer voltarei para buscar Os instantes que não vivi junto do mar

 

Podiam ser minhas estas palavras. Talvez tuas também.

 

Partilhamos dessa busca incessante de comunhão com o mar, pretendemos uma forma de plenitude, de transcendência. É no oceano que reencontramos o nosso Ego, fugimos às rotinas, à multidão cinzenta e à cadência do próprio tempo. Os nossos sonhos mais perfeitos residem onda a onda, concretizam-se em cada vitória sobre elas e por fim esfumam-se espraiados na areia.

Todos nós sabemos o que é ter esta estranha adrenalina a percorrer o corpo, um cansaço que nos deixa leve, a alma flutuante, um sorriso inconsciente estampado no rosto. Há um misto de solidão e de ânsia de partilha, de medo e de sedução. Este é o vício dilacerante de querer estar no mar, de fazer parte dele dia após dia. Cada vez mais. Dizem que Only a surfer knows the feeling e tudo mais são banalidades. No entanto, atrevo-me a dizer que conheci estas sensações muito antes de descer a minha primeira onda, de fazer o meu primeiro tubo.

Há uma mulher que “cantava o mar” como mais ninguém foi capaz e o amou tão apaixonadamente quanto nós. E ironia das ironias, não se conhecem nela façanhas em desportos de ondas... .  A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen ama “aquela praia extasiada e nua” onde cada um de nós já sentiu “a selvagem exalação das ondas subindo para os astros como um grito puro”. Nela fascinamo-nos ao ver o “bailarino contorcido, “um oceano de músculos verdes” e “ao longe as cavalgadas do mar largo [que] sacudiam na areia as suas crinas”. Somos capazes de ouvir “a voz do mar [que] encheu o céu e a terra, uma voz que está cheia e se quebra e nunca mais acaba”.  Esse “mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim” onde “as ondas marram quebrando contra a luz a sua fronte ornada de colunas” ou “inclinando o colo marram como unicórnios brancos”. A poesia de Sophia tem a “verdade e a força do mar largo” e a “claridade das praias onde a direito o vento corre” e “sobre a areia o tempo poisa”. Esta mulher descreveu ainda um pouco de cada um de nós, aqueles que “só encontram o longe que se afasta (...) e o seu corpo é só um nó de frio em busca de mais mar e mais vazio”. Com ela experimentamos sensações de plena solidão, “só[s] com a areia e com a espuma”, suspiramos em uníssono o desejo de “possuir todas as praias onde o mar ondeia”  e onde por fim gritamos: “peço-te que venhas e me dês um pouco de ti mesmo onde eu habite” ! 

A poesia de Sophia de Mello Breyner também busca a perfeição e a harmonia de um ser humano que consegue ultrapassar cada obstáculo a partir das suas próprias limitações e imperfeições. Esse ser limitado e imperfeito sou eu e és tu em cada onda ou sonho falhado, em cada remada sofrida contra a corrente do mar... e da vida.  Este é o nosso desafio constante de superação, onde pode “no extremo dos [nossos] dedos nasce[r] um voo no vértice do vento e da manhã”. Afinal, é no mar que encontramos a nossa forma de felicidade e onde, bem lá no fundo, egoístas, todos pensamos: ” - Que momentos há em que eu suponho seres um milagre criado só para mim”.

 

 

Texto Publicado na Revista FreeSurf - Nr. 5 Setembro/Outubro 2008

Ph: LaraR - Paço de Arcos

 

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