Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem.
Poesia II - Sophia de Mello Breyner Andresen 1944
Evadir-me, esquecer-me, regressar
À frescura das coisas vegetais,
Ao verde flutuante dos pinhais
Percorridos de seivas virginais
E ao grande vento límpido do mar.
SophiaM.Breyner in Dia do Mar IV
Podiam ser minhas estas palavras. Talvez tuas também.
Partilhamos dessa busca incessante de comunhão com o mar, pretendemos uma forma de plenitude, de transcendência. É no oceano que reencontramos o nosso Ego, fugimos às rotinas, à multidão cinzenta e à cadência do próprio tempo. Os nossos sonhos mais perfeitos residem onda a onda, concretizam-se em cada vitória sobre elas e por fim esfumam-se espraiados na areia.
Todos nós sabemos o que é ter esta estranha adrenalina a percorrer o corpo, um cansaço que nos deixa leve, a alma flutuante, um sorriso inconsciente estampado no rosto. Há um misto de solidão e de ânsia de partilha, de medo e de sedução. Este é o vício dilacerante de querer estar no mar, de fazer parte dele dia após dia. Cada vez mais. Dizem que Only a surfer knows the feeling e tudo mais são banalidades. No entanto, atrevo-me a dizer que conheci estas sensações muito antes de descer a minha primeira onda, de fazer o meu primeiro tubo.
Há uma mulher que “cantava o mar” como mais ninguém foi capaz e o amou tão apaixonadamente quanto nós. E ironia das ironias, não se conhecem nela façanhas em desportos de ondas... . A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen ama “aquela praia extasiada e nua” onde cada um de nós já sentiu “a selvagem exalação das ondas subindo para os astros como um grito puro”. Nela fascinamo-nos ao ver o “bailarino contorcido, “um oceano de músculos verdes” e “ao longe as cavalgadas do mar largo [que] sacudiam na areia as suas crinas”. Somos capazes de ouvir “a voz do mar [que] encheu o céu e a terra, uma voz que está cheia e se quebra e nunca mais acaba”. Esse “mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim” onde “as ondas marram quebrando contra a luz a sua fronte ornada de colunas” ou “inclinando o colo marram como unicórnios brancos”. A poesia de Sophia tem a “verdade e a força do mar largo” e a “claridade das praias onde a direito o vento corre” e “sobre a areia o tempo poisa”. Esta mulher descreveu ainda um pouco de cada um de nós, aqueles que “só encontram o longe que se afasta (...) e o seu corpo é só um nó de frio em busca de mais mar e mais vazio”. Com ela experimentamos sensações de plena solidão, “só[s] com a areia e com a espuma”, suspiramos em uníssono o desejo de “possuir todas as praias onde o mar ondeia” e onde por fim gritamos: “peço-te que venhas e me dês um pouco de ti mesmo onde eu habite” !
A poesia de Sophia de Mello Breyner também busca a perfeição e a harmonia de um ser humano que consegue ultrapassar cada obstáculo a partir das suas próprias limitações e imperfeições. Esse ser limitado e imperfeito sou eu e és tu em cada onda ou sonho falhado, em cada remada sofrida contra a corrente do mar... e da vida. Este é o nosso desafio constante de superação, onde pode “no extremo dos [nossos] dedos nasce[r] um voo no vértice do vento e da manhã”. Afinal, é no mar que encontramos a nossa forma de felicidade e onde, bem lá no fundo, egoístas, todos pensamos: ” - Que momentos há em que eu suponho seres um milagre criado só para mim”.
Texto Publicado na Revista FreeSurf - Nr. 5 Setembro/Outubro 2008
Ph: LaraR - Paço de Arcos
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